domingo, 1 de abril de 2012

Frugalidades pecaminosas ou clafoutis de morango


A primeira explicação encontra-se na fotografia de casamento dos meus pais. Da esquerda para a direita estão os meus avós paternos, o meu avô garboso e a fazer pose, a minha avó muito sorridente, um momento raro, de vestido escuro, colar de pérolas e chapéu, ambos sorridentes, parecem felizes ambos, o meu pai, muito direito a fazer-se indecentemente para a fotografia, atitude que o acompanhou durante todos os seus dias, a minha mãe, radiosa, como todas as noivas, embevecida a olhar para o seu recente marido e a minha avó materna, pequenina e fofa, já de cabelo branco e com o ar doce de sempre. E vem tudo isto, porque o pedaço de perna e de pantorrilha que sobra dos vestidos de ambas as minhas avós deixa à mostra a pernoca gorducha e o tornozelo grosso. A da minha mãe, igualmente gorducha e de tornozelo grosso não se vê evidentemente. Penso nesta fotografia quando me travo de razões com as pernas encorpadas e tornozelos grossos e maldigo a genética.
A segunda explicação é que de todos os pecados mortais aquele a que mais sucumbo é a gula. Não preciso de comer muito, às vezes como, é verdade, mas sabem os deuses e Baco também, como gosto de uma refeição opípara, preparada com carinho e partilhada com a generosidade de dividir amores e deixar misturar-se no ar o aroma volúvel da amizade. Se estiver sozinha, como algo rápido e frugal, passam-se anos sem que coma um bolo de pastelaria, prescindo de cremes, natas e bolos superlativos de cores e decorações, torço o nariz aos fritos que me olham de soslaio, miseráveis na sua existência entre vitrinas, se não comer pão não morro e batatas fritas e massas, como legumes, como fruta, como iogurtes magros, bebo muita água, mas não resisto a uma boa mesa entre amigos, um jantar de sexta-feira caprichado e um almoço de Domingo retemperador e prenhe de sabores novos e velhos na calmaria de nada fazer.
A terceira explicação é que gosto de cozinhar. Gosto de experimentar coisas novas, acrescentar ao que já sei fazer, modificar o faço, modifico muito e raramente sigo uma receita à risca e gosto das cores, das fragrâncias, da expectativa, de cozinhar para os outros.  E gosto de bebericar um copo de vinho enquanto cozinho, ou enquanto espero ou com a refeição, e de comer uns amendoins salgados e picantes ou depenicar qualquer outra coisa que me corte o adocicado do Moscatel ou do vinho do Porto ou do Port Tonic que, como se prevê, também gosto.
E serve isto para dizer que com esta genética e estes prazeres, só me restam dois trilhos: ou me conformo com as formas rotundas, cada vez mais rotundas, ou me abalanço na dieta. Optei pela última, mas como as dietas são como as leis, existem para ser quebradas, hoje fiz um clafoutis de morangos para rematar o almoço de Domingo. Apetecia-me tanto mas tanto algo doce. Pareceu-me pouco calórico e primaveril para comemorar a estação. Uma fatia não faz mal, ou fará?

Clafoutis de morango

Ingredientes
500 g de morangos
150 g de açúcar
120 g de farinha
4 ovos
200 ml de leite
200 ml de natas light.(usei marca branca Pingo Doce)

Preparação
Pré-aquecer o forno a 180º. Barrar uma forma refratária com margarina. Lavar os morangos. Cortá-los em quartos longitudinais e deixá-los escorrer. Bater os ovos com o açúcar até que fique um creme fofo e esbranquiçado. Juntar a farinha e continuar a bater. Por fim adicionar o leite e as natas. Espalhar os morangos uniformemente pela forma. Deitar o creme por cima e levar ao forno durante cerca de quarenta minutos.  Deixar arrefecer.



Fiquei fã deste doce indefinido sem ser tarte ou bolo ou pudim de textura húmida, aveludada e macia. Ideal para rematar um almoço mais pesado ou para quem gosta de sobremesas leves com fruta. 

14 comentários:

teimosita disse...

Que dizer? Gostei imenso do texto e muitíssimo desta sobremesa frugal. Será? De qualquer modo, aconselho. Uma delícia, como tudo o que é feito por essas mãozinhas adoráveis :). Jinhos

Leonor disse...

Obrigada pelos mimos, minha mãe e minha adorada degustadora destes meus humores culinários :)
Beijinhos grandes

Inês Ginja disse...

Leonor,
também gosto muito de clafoutis, a textura e as frutas. E não me parece nada excessivo. Num domingo apetece sempre algo doce. E este foi bem escolhido. Já eu...pequei :)
Um beijinho.

Leonor disse...

Nunca tinha feito e fiquei fã. Gostei muito da textura. Acho que o creme devia ter ficado mais entre os morangos mas não sei de que foi, sei que estava muito bom. Talvez possa levar mais açúcar.
O problema é que estou mesmo de dieta mas aos Domingos não me apetece.
Já lá vou ver o que fizeste :)
Beijinhos

CNS disse...

Nunca fiz clafoutis, mas saio daqui com vontade de experimentar. :)

Mané o bolo da Tia Rosa disse...

Tenho uma receita de clafoutis para colocar desde o ano passado... (de cerejas) não sei qdo a coloco nem se a colocarei
Bjs

Leonor disse...

É muito fácil, CNS.
Vi várias receitas mas acabei por fazer esta adaptação. Há quem ponha só leite e margarina ou essência de baunilha. Sou um bocadito avessa a 'essências'. Ficou bem assim, mas como disse no comentário acima pode levar um pouco mais de açúcar. Deve ser muito bom com pêssegos também. Estou à espera que as minhas fisalis dêem fruto para experimentar.

Leonor disse...

E ficou bem, Mané? Acho esta sobremesa óptima para finalizar uma refeição mais pesada.
Beijinho

Maria disse...

Leonor, quem está plenamente satisfeita com o que tem e não maldiz a genética por sinais que achamos que são defeitos e que para outros são virtudes. Era bom que pudesse-mos trocar os nossos defeitos que são virtudes para outros e vice versa, não era? Seria tudo mais fácil e andaríamos mais satisfeitas.
Mas olha, a tua sobremesa acho que ninguém a considerá um defeito.
Deliciosa, no mínimo!
Beijos
Maria

Leonor disse...

Nunca ninguém está satisfeito, é verdade, mas aborrece-me ter de andar permanentemente a fazer restrições. Quando não as faço acontece como agora: engordo. Mas a genética deixou-me coisas que considero muito boas, como o gosto pela cozinha. As mesmas mulheres que me legaram a coxa grossa legaram-me a mão para a cozinha :)
Beijinhos e boa semana

fantasma disse...

Nham, que bom aspecto! :)
(e eu ultimamente tenho-me fartado de comer doces... :$)

Leonor disse...

Eu estou de dieta absoluta, isto foi só uma facadita porque nem é muito calórico. No Domingo de Páscoa vou-me desgraçar mas paciência :)

Anónimo disse...

O tamanho da nossa barriga será sinónimo da nossa felicidade? Depois de uma grande jantarada com a família ou com os amigos, onde estão presentes iguarias como esta só há que ficar feliz. Quanto a linhas, existem muitas, mais ou menos curvas. E que interesse haveria em sermos todos e todas linhas retas?
Desgracemo-nos então de vez enquando.
Um abraço
Patrícia

Leonor disse...

Sim, um jantar opíparo com a companhia desejada é sinónimo de felicidade :) Já estou a salivar para o Domingo de Páscoa, mas infelizmente tenho mesmo de ter cuidado com o peso.
Beijinhos