sábado, 17 de março de 2012

St.Paddy's Day ou um guisado luso-irlandês


Acalento a ideia de um dia ir a Dublin passar um Bloomsday. Meros dias depois do meu aniversário, lá para Junho, celebra-se a literatura. Pode haver coisa melhor para comemorar um aniversário? Comemora-se o dia em que se desenrola Ulisses, a obra-prima de James Joyce, diz que há gente pela rua a ler excertos da obra e que é uma verdadeira festa. Acalento assim a ideia de começar o dia a pôr o dente num rim frito que, como se sabe, sou rapariga temente e respeitadora no que à literatura diz respeito e o que me falta em religiosidade sobra-me em respeito venerando a entes vários desta arte que me colore os dias. O Bloomsday é a festa da literatura por excelência. O que eu gostava de lá estar um dia. 
Daria também um dia uma saltada a Edimburgo para celebrar a Burns’ Night bem no fim de Janeiro e acabar a noite a meter o dente num haggis, um guisado de miúdos de cabrito, aconchegado como enchido e servido de formas várias. Uma delícia, não se deixem desmoralizar pelos miúdos e o bucho. Ainda hoje me sabem bem os que degustei em terras de kilts e gaitas de foles. Robert Burns amarrou-o a este poema e acompanhado com uma ale num pub ruidoso nessa tal Burns Night é ideia que me parece bem. E uns passeios a pé, castelo acima e abaixo, bater perna nas ruelas íngremes ao entardecer quando o sol ilumina o castelo com o vento cortante a romper a barreira de cachecóis e luvas. E uns pubs. Nada a fazer. A mulher do povo que há em mim odeia sítios presunçosos de gente igualmente presunçosa atada de pés e mãos numa moralidade de pacotilha, agarrada a pratos de fome gourmet e gosta de pubs. Muito. E de degustar. E de bebericar. Acalento também a ideia de um dia ir passar o dia de St. Patrick a Dublin.
Explicada que está esta ideia peregrina do Bloomsday e da Burns Night, resta-me a explicação para o St. Patrick’s Day. Acontece que não, não comemoro dia de festividade religiosa nenhuma, estou cada vez menos católica de há décadas a esta parte, comecei a celebrar o Natal com a festa da família, e na Páscoa revejo “A Vida de Brian” como filme de época, um épico cá em casa, mas acho muita piada a esta festa de rua com paradas e copos que celebra o santo católico que alegadamente terá livrado a Irlanda das cobras. Diz que havia cobras na Irlanda. E leprechauns e potes de ouro no fim do arco-íris. E chega de conversa fiada. Fica por saber se o que gosto é de celebrar a literatura ou se de pôr pé daqui para fora, exactamente agora que me rapinaram parte do ordenado e subsídios. Inclinar-me-ia pela segunda hipótese. É sabido que os irlandeses não são exímios no que respeita a artes culinárias, foi lá que bebi o pior café da minha vida, experiência tão traumática que passado um quarto de século ainda me sabe mal e que a comida, ao contrário da cerveja e do bom humor e simpatia dos irlandeses, pode ser maçadora e sensaborona. Hoje é dia de St. Patrick e, por coincidência ou não, cá em casa o jantar é Irish Stew. Começou a viagem. Estão convidados.


Irish Stew

Ingredientes
1kg de carne de vaca para guisar
1 chávena de caldo de carne
1 chávena de Guinness
1 chávena de vinho tinto
1 colher de sobremesa de molho inglês (Worcestershire)
1 cebola
Batatas
Cenouras
Azeite
Margarina com alho
Alho picado
Tomilho
Sal
Pimenta preta acabada de moer

Preparação
Pré-aquecer o forno a 200º. Numa frigideira aquecer um fio de azeite e uma noz de margarina com alho. Juntar a carne e selar. Salpicar com pimenta preta acaba de moer e alho picado. Passar para um tacho de barro que possa ir ao forno. Usei um tacho de barro saloio que comprei aqui na aldeia. Cortar a cebola em rodelas finas e levar à frigideira onde se fritou a carne. Quando a cebola amolecer um pouco, juntá-la à carne. Acrescentar a chávena de Guinness, a de vinho tinto e de caldo de carne. Temperar com sal, pimenta e acrescentar o tomilho. Levar ao forno cerca de uma hora a hora e meia com o tacho tapado. Verificar a cozedura da carne e rectificar o tempero.
Após cerca de hora e meia de cozedura acrescentar as batatas e as cenouras cortadas em pedaços. Usei batatas pequenas para assar e corre sempre bem. Aguardar até que cozam, cerca de uma hora, e servir. O molho fica líquido mas apurado. Dizem os especialistas que assim deve ser. 

Este prato é um verdadeiro conforto, inadequado para gente apressada, moroso, como convém em dias de calma e de recolhimento, e aconselhado para dias de invernia ou de alma fria. Nada a que os irlandeses não estejam habituados e que nós não saibamos o que é. Agora vou ali à procura do pote de ouro.


fotografias minhas de Dublin (James Joyce) e do Writers' Museum em Edimburgo.

3 comentários:

Maria disse...

Leonor, comida sensaborona a deles, de facto, mas compensada em pleno pela maravilhosa cerveja Guinness.
Nada como uma Guinness, ao princípio de noite, num pub de uma qualquer ruela de Dublin.
O Iris Stew, nunca comi,mas parece-me bastante reconfortante.
Beijinhos,
Maria

Leonor disse...

É verdade, a comida é muito sensaborona, mas sou fã deste stew. Também pode ser do toque tuga do vinho tinto português.
Beijinhos

Susana disse...

À Irlanda nunca fui, mas a Escócia é um dos meus sítios favoritos no mundo (do que dele conheço, pelo menos). Como os restaurantes fecham antes daquela que é a nossa hora de jantar, ficamos sempre confinados à comida de pub. E esta é comida de pub. Os stews, as pies, o haggis, as sopas com cevada... enfim, aquilo de bom que países quase sem cozinha podem oferecer. Adorei este stew com um toque à portuguesa e hei-de fazê-lo quando voltar a ter saudades das terras absurdamente verdes. Beijinho!!!